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A ADI 7195 e a possibilidade de exclusão da TUSD e da TUST na base de cálculo do ICMS: novos desdobramentos

Muito tem se falado nas últimas semanas a respeito do julgamento da ADI nº 7.195, ajuizada pelos Governadores dos Estados do Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Sergipe, Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará e Distrito Federal. 

A ação visa declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Complementar nº 194, de 23 de junho 2022, que alterou a redação do art. 3º, inciso X da Lei Complementar nº 87/96, popularmente conhecida como Lei Kandir. Por meio dessa alteração, afastou-se expressamente a incidência do ICMS sobre os serviços de transmissão e distribuição, bem como encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica. 

Contudo, em 09 de fevereiro de 2023, o Relator da ADI, Min. Luiz Fux, concedeu medida cautelar para suspender os efeitos do referido dispositivo. Tal decisão surpreendeu boa parte da comunidade jurídica, eis que diversos Estados, inclusive Minas Gerais, já haviam alterado legislação própria para estabelecer a não incidência do ICMS sobre referidos serviços e encargos setoriais. 

Assim, para uma melhor compreensão da decisão e das expectativas em torno do julgamento definitivo da ADI, objetivo do presente artigo, torna-se imperioso sintetizar o objeto da discussão no Supremo e todos os caminhos percorridos até o momento.

De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a transmissão compreende o transporte de energia elétrica do sistema produtor às subestações distribuidoras, e a distribuição, por sua vez, é o sistema que interliga as vias de geração de energia às instalações do consumidor final.  

Para a prestação desses serviços, são cobradas a Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), e a Tarifa do Uso do Sistema de Transmissão (TUST). Ambas são cobradas do consumidor de energia elétrica, e se tratam de uma contraprestação pelo uso do sistema, popularmente chamado de “uso do fio”.

Fato é que os Estados sempre defenderam que a operação relativa ao fornecimento de energia elétrica engloba o TUSD e a TUST para fins de incidência do ICMS.

Lado outro, os contribuintes defendem que a energia elétrica não pode ser estocada, de modo que a operação de circulação se manifesta, efetivamente, no seu consumo. Dessa forma, a transmissão e a distribuição da energia elétrica são fatos que ocorrem em momento anterior ao fato gerador do ICMS-energia elétrica, razão pela qual não se incluem na sua base de cálculo. 

Neste raciocínio, a TUSD e a TUST estão meramente relacionadas ao uso do fio, o que não possui qualquer relação com o fato gerador do ICMS, que é o consumo efetivo da energia, e portanto, não integra o valor da operação. Em outros termos, o ICMS incide sobre a circulação jurídica da energia elétrica e não sobre a sua transmissão e distribuição, que são remuneradas pela TUST e pela TUSD. 

Em linha com este entendimento, diversas decisões do STJ já reconheceram a não inclusão da TUSD e da TUST na base de cálculo do ICMS, como o AgRg no REsp nº 1.408.485/SC e o AgRg no REsp nº. 1.075.223/MG. 

Importante mencionar especialmente o REsp 1.163.020/RS, que, em razão das recorrentes discussões no STJ entre o Fisco e os contribuintes a respeito da matéria, deu origem ao tema repetitivo de número 986, no qual foi determinado o sobrestamento de todas as ações judiciais até o julgamento do Leading case pela Corte.

Enquanto aguardava-se o referido julgamento, foi publicada a Lei Complementar 194/2022 que, conforme mencionado, alterou a redação do art. 3º, inciso X da Lei Kandir para afastar a incidência do ICMS sobre a TUST e a TUSD nas operações com energia elétrica.

Considerando a tendência da jurisprudência do STJ sobre o tema e o disposto na Lei Complementar 194/2022, diversos Estados alteraram a legislação para estabelecer a não incidência do ICMS sobre referidos encargos setoriais. É ver o que dispõe o Decreto nº 48.482/2022, emitido pelo Estado de Minas Gerais:


Art. 1º – O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS não incide sobre a parcela relativa aos valores cobrados pelos serviços de transmissão, distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.


A discussão parecia, portanto, ter chegado a um capítulo final, com a vitória dos contribuintes.

Não obstante, alguns estados da Federação, receosos da redução substancial em arrecadação que resultaria na exclusão permanente dessas tarifas da base de cálculo do ICMS, ajuizaram ADI nº 7.195 para requerer a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar 194/2022.

O principal argumento seria a sua inconstitucionalidade formal. A promulgação de lei pelo Poder Legislativo federal para dispor sobre a incidência e a arrecadação de um imposto de competência estadual supostamente violaria o princípio federativo, mais especificamente o art. 155, II da CF/88, configurando uma invasão de competência. Em termos mais simples, o Poder Legislativo Federal não poderia dispor sobre a incidência do ICMS, imposto de competência estadual.

Argumentam, ainda, que a base de cálculo do ICMS abrange o valor de toda a operação de circulação de energia, incluindo referidos encargos, e não somente o valor correspondente ao consumo efetivo.

Na petição inicial da ADI, formularam pedido de medida cautelar para suspender os efeitos do art. 3º, inciso X da Lei Complementar 87/96 até o seu julgamento definitivo. Desse modo, prosseguiu-se ao julgamento da cautelar, em Sessão iniciada no dia 24 de fevereiro, com os votos do Tribunal Pleno.  

Lamentavelmente, o Relator da ação, Min. Luiz Fux, concedeu a medida cautelar, sob o argumento de que os precedentes que não reconheceram a incidência do ICMS sobre as tarifas examinaram de maneira restritiva o conceito de “operação”, de modo a afastar os custos de transmissão e distribuição da energia elétrica da base de cálculo do tributo estadual. Ademais, entendeu que o Congresso Nacional exorbitou a sua competência ao legislar sobre o ICMS. 

O Min. Gilmar Mendes acompanhou o Relator com ressalvas, por entender que, em razão da complexidade em definir o momento exato em que ocorre o fato gerador do ICMS incidente sobre energia elétrica, a matéria demanda uma discussão mais aprofundada.

O Min. André Mendonça, por sua vez, divergiu do Relator.  Pontuou que afirmar que o Congresso Nacional teria extrapolado sua competência tributária ao promulgar a Lei Complementar 194/2022 significaria questionar a higidez e validade da própria lei Kandir, que, na qualidade de norma geral de alcance nacional, limita o espaço de atuação disponível aos entes estaduais e distrital, em nome de uma uniformidade federativa do ICMS. Segundo seu entendimento, a matéria é objeto de conformação normativa do Congresso Nacional, e não restaria configurada uma inconstitucionalidade formal.

Ao final do julgamento, o voto do Relator Min. Luiz Fux foi referendado por todos os demais Ministros, formando maioria pela concessão da medida cautelar para suspender os efeitos do art. 3º, inciso X, da Lei Complementar 87/96, nos termos do art. 10 da Lei 8.968/99.  

Desse modo, até o presente momento, os Estados estão autorizados a incluir a TUSD e a TUST na base de cálculo do ICMS. 

Neste contexto, o Estado de Minas Gerais revogou o Decreto nº 48.482/2022, que havia afastado a incidência do imposto sobre referidos encargos setoriais, retomando essa exigência. É seguro afirmar que a maioria dos demais estados seguirão o mesmo caminho.

Considerando os recentes julgados do Supremo, preocupa-nos o desfecho do tema. Não é possível descartar a possiblidade de os Estados terem êxito na ADI, frente a um cenário no qual o STF tem se preocupado mais com o consequencialismo do que, efetivamente, com as normas jurídicas. 

Enquanto advogados tributaristas firmes no propósito de defender as normas jurídicas, sustentamos a constitucionalidade da Lei Complementar 194/2022. O art. 146 da CF/88 dispõe que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente quanto ao fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes dos impostos. Essa competência, especificamente no que tange a base de cálculo do ICMS, é reafirmada no art. 155, §2º, i, da CF/88. Some-se a isso o fato de que, nessa ocasião, o Congresso Nacional exerceu o papel de legislador nacional e não de legislador federal.

Dessa forma, a Lei Complementar 194/2022, é, fruto da prerrogativa do Congresso Nacional de estabelecer a base de cálculo e a incidência do ICMS, com a pretensão de consolidar o entendimento que vinha sendo reconhecido pelo STJ e pôr fim ao conflito existente entre contribuintes e Fazendas Estaduais. 

Ademais, a própria promulgação da lei possui uma finalidade econômico-social, na medida em que, observando a essencialidade e indispensabilidade da energia elétrica, prevista, inclusive, no recém-adicionado art. 18-A do CTN, buscou reduzir sistematicamente a tributação sobre o setor.

Fato é que, novamente, sofrem os contribuintes com a insegurança jurídica provocada pelas recorrentes alterações legislativas e jurisprudenciais sobre o mesmo tema. O VMS Advogados encontra-se à disposição para eventuais esclarecimentos desse e de outros temas.